terça-feira, janeiro 30, 2007

"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

Clarice Lispector

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Tenho trabalhado estes dias em um lugar que não é meu.
Na verdade tem um tempo que estou sem um meu lugar.
Pra quem conhece o "motivo do surgir" deste blog entende bem do que estou falando...
Não é sobre isso que quero falar!
O fato é que busquei a casa vazia do meu irmão pra poder terminar um trabalho (trabalho de 2 meses que tem prazo de menos de 2 semanas).
Precisava da possibilidade do sozinha.
Sem pausas e interrupções (só as que eu desejar, ou ainda, precisar).
Como o lugar não é meu, também meus não são os objetos, os livros, os cds...
Mais do que gosto, tenho precisado dos livros nas pausas e da música durante o processo.
O problema com as pausas foi mais fácil de resolver.
Foram poucas, preenchidas pela leitura de "Roland Barthes por Roland Barthes" na rede da sala.
Já a música...
Pra tantas horas de trabalho, as mesmas (ou quase) horas de música.
Pelo menos era esse o desejo.
O início foi fácil.
Um cd da Carla Bruni (meu inclusive) que estava sobre a mesa de trabalho.
Depois, Tom Waits, Radiohed, Bjork, desliso pra Elza Soares, Clara Nunes, Caetano, e vou percorrendo os cds que estão por aqui.
Esgotada a fonte descubro Piazzolla no iTunes e no meio, Orleans-accordeon.
Orleans-accordeon!
Agora no repeat.
Só mais uma vez!

P.S.: Aos amigos que me têm no msn e por isso sabem o que estou ouvindo.

Está tudo bem!
Não é um surto!

sábado, janeiro 27, 2007

Hoje não queria o texto, nem a fala em língua conhecida.
Até da música só a sonoridade!
Não que bastassem instrumentos.
Quero as palavras, a língua a dizer algo, mas algo que eu não entenda literal.
Só imagine...
Suspeite alegre ou triste, ligeiro e leve, noturno e denso...
Só imagine...
Mais.
Só sinta...
Quero abrir outros ouvidos, lavar os olhos, limpar os gestos e assim falar e ouvir.
Falar e ouvir numa língua que não é minha nem sua.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Samba na Obra

Vestido rodado e longo, cabelos soltos e pés descalços.
Olhos fechados, sorriso aberto e vento no rosto.
Dançar assim...
Até não sentir mais o corpo.

Hoje não dá.

Possibilidade: Samba na Obra
O vestido pode ser rodado, mas curto.
Cabelos presos pra suportar o calor.
Muito bem calçada!
E o vento no rosto só se for do ventilador.
Olhos fechados e sorriso aberto não é problema.
Se bem...
Não é até que algum cara entenda errado, ou pior, a namorada dele...

Será?
Talvez seja melhor colocar Clara Nunes no computador mesmo, abrir a janela, afastar os móveis e depois de dançar até não sentir mais o corpo se jogar entregue no sofá.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Babel

Minha tarde hoje foi, no mínimo, especial!
Fui assistir Babel. O último filme do diretor mexicano Alejandro Gonzales (diretor de Amores Brutos e 21 Gramas).
A definição de um filme "necessário" feito por um querido é simplesmente perfeita!
Quem não assistiu ainda assista, e quem já assistiu vá ver de novo e de novo (aliás, é uma aquisição certa pra minha "coleção" de filmes em DVD).
Sei que deveria estar completamente envolvida com o projeto que tenho que entregar até o fim do mês, mas foi impossível não parar pra "externizar" (pelo menos um pouquinho) minhas impressões sobre Babel.
O título do filme, claro, nos remete à lendária Torre de Babel. Uma construção enorme, na antiga Babilônia, que um dia, penetrando o céu, permitiria aos homens alcançá-lo. Diz a lenda que Deus, irritado com a pretenção humana, resolve intervir e faz com que os homens comecem a falar em línguas diferentes. Sem conseguirem mais se entender não concluem a obra. Os desentendimentos são tantos que cada grupo parte então para um canto da terra e as diferentes línguas separariam a humanidade desde então.
Na "Babel" de Alejandro essa dificuldade de comunição vai além das barreiras linguísticas. Existem barreiras culturais, barreiras pessoais...
Ele nos joga na cara nossa incapacidade ou no mínimo dificuldade de expressão e comunicação num nível fundamental...
Estamos cada vez mais surdos e essa surdez ultrapassa o simples ouvir.
Apesar das fronteiras físicas parecerem cada vez mais tênues com o processo de globalização, com as tecnologias de comunicação, nossas "fronteiras internas", "fronteiras de alma" parecem cada vez mais delimitadas.
O diferente é perigoso. O diferente é incompreendido...
Lindo!
De uma beleza que dói...
Além de todas as questões de dificuldade de comunicação, compreensão, entendimento abordadas no filme, ele tem cenas de uma intensidade, de uma carga emocional, que nos faz parar de respirar!

Roteiro, direção, fotografia, trilha sonora, tudo!

"... Proporciona uma vertigem de emoções."

(As palavras não são minhas, mas...)
Maravilhoso, intenso, tocante!
Me arrepio e emociono só de lembrar...
Como nos outros filmes deste diretor, existe um enredar de tramas numa "tapeçaria" cinematográfica. Ele tece uma história de histórias que se interligam.

(Teoria do Caos?)
Marrocos, Estados Unidos, México e Japão se cruzam.
A variedade de cidades (posso dizer mesmo de países, continentes) que se tocam através do que, no primeiro momento, parece um fato isolado, uma fatalidade decorrente de uma "brincadeira" de meninos, nos dá uma sensação de que o mundo todo é muito próximo...
Somos todos seres humanos...
Paradoxal.
Em um mesmo filme o que nos separa e o que nos aproxima...

Chega de "tentar" falar qualquer coisa!
Assistam!!

terça-feira, janeiro 23, 2007

Hum!!!

Acordei com um desejo de "Semifredo Mouro e Cristão"!
Na verdade saí da Bahia com este desejo, que não saciado vem me "tomar" vez ou outra.
Quem experimentou esta delícia deve entender bem...
Nem mouro nem cristão, dos deuses!
Só pra ter uma idéia da delícia.
Sobremesa gelada.
Não é sorvete!
Textura...
Visual...
É, sou adepta dos que que comem com os olhos, com o olfato, antes de se fartarem com os sabores.
Mas sobre a sobremesa dos deuses...
Creme de café com chocolate amargo (Mouro), creme de canela com chocolate branco (Cristão), geléia de pimenta e calda de hortelã.
Inacreditável!
Orgasmo gastronômico!

segunda-feira, janeiro 22, 2007

_"Sotaque mineirinho!"
_ Claro! Queria que fosse paulista?

O comentário ouvido hoje no celular me fez lembrar de um texto que recebi ano passado.
Ótimo!
Cheguei a encaminhar para o amigo paulista professor de literatura que também gostou muito (passou para os alunos até).
Pena que não sei o autor...


"
Ouvi dizerem que o sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou
engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos
colaterais, como é que o falar das mineiras ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta
avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho,
me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de
perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor. Eu sou
suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase
propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo
sotaque.

Mas, se o sotaque desarma, as expressões são capítulos à parte. Não
vou exagerar, dizendo que a gente não se entende... Mas que é algo
delicioso descobrir, aos poucos, as expressões daqui, ah isso é...

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem,
sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode
parar, dizem: "pó parar". Não dizem: onde eu estou? dizem: "ôncôtô?").
Parece que as palavras, para os mineiros, são como aqueles chatos que
pedem carona. Quando você percebe a roubada, prefere deixá-los no
caminho.

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e
levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando -
apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.
Fala que ele é "bom de serviço". Pouco importa que seja um juiz, um
jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro -
metaforicamente falando, claro – ele é bom de serviço. Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se
encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim,
isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela está boa, é como
perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher
casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com
isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados.
Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você
mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém
consegue nada. Você "não dá conta". Siôcê (se você) acha que não vai
chegar a tempo, você liga e diz:

- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob
pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto,
quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma
forma de dizer, olá, me escutem, por favor. É a última instância antes
de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que,
"apaixonado com". Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a
toda hora: "Ah, eu apaixonei com ele...". Ou: "sou doida com ele"
(ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem
apaixonadas COM alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de
bonitim, fechadim, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: "E aí,
vão?". Traduzo: "E aí, vamos?". Não caia na besteira de esperar um
"vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Na verdade, o mineiro é o baiano lingüístico. A preguiça chegou aqui e
armou rede. O mineiro não pronuncia uma palavra completa nem com uma
arma apontada para a cabeça.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas
prefiro, com todo respeito, o mineirês. Nada pessoal. Aqui certas
regras não entram. São barradas pelas montanhas. Por exemplo: em
Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - Eu
preciso de ir.

Onde os mineiros arrumaram esse "de", aí no meio, é uma boa pergunta.
Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com
escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante.
Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam... Você não
precisa ir, você "precisa de ir". Você não precisa viajar, você
"precisa de viajar". Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao
supermercado, ela reclamará: - Ah, mãe, eu preciso de ir?

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra "um
tanto de coisa". O supermercado não estará lotado, ele terá "um tanto
de gente". Se a fila do caixa não anda, é porque está "agarrando lá na
frente". Entendeu? Deus, tenho que explicar tudo. Não vou ficar
procurando sinônimo, que diabo. E não digo mais nada, leitor, você
está agarrando meu texto. Agarrar é agarrar, ora! Se, saindo do
supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará:
"- Ai, gente, que dó".

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas
mineiras. Eu aviso que vá se apaixonar na China, que lá está sobrando
gente. E não vem caçar confusão pro meu lado.

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão".
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar,
para se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é
muitíssimo bom (acho que dá na mesma), ela, se for jovem, vai gritar:
"Ôu, é sem noção". Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem,
leitora, idéia do tanto de bom que é. Só não esqueça, por favor, o
"Ôu" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo
é sem noção, entendeu?

Ouço a leitora chiar: "- Capaz..." Vocês já ouviram esse "capaz"? É
lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "tá fácil que eu faça
isso", com algumas toneladas de ironia. Gente, ando um péssimo
tradutor. Se você propõe a sua namorada um sexo a três (com as amigas
dela), provavelmente ouvirá um "capaz..." como resposta. Se, em
vingança contra a recusa, você ameaçar casar com a Gisele Bundchen,
ela dirá: "ô dó dôcê". Entendeu agora?

Não? Deixa para lá. É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?
Completo ele fica: "- Ah, neeeeem..."

O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o
pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito
nenhum. Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no
Mineirão?". Resposta: "neeeem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.
Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?". A pergunta,
mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"? Tão simples. O
resto do Brasil complica tudo. "É, ué, cês dão umas volta pra falar os
trem..."

Ei, leitor, pára de babar. Que coisa feia. Olha o teclado todo
molhado. Vai dar curto circuito! Chega, não conto mais nada. Está bem,
está bem, mas se comporte.

Falando em "ei...". As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o
"ei" no lugar do "oi". Você liga, e elas atendem lindamente:
"eiiii!!!", com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade...

Tem tantos outros... O plural, então, é um problema. Um lindo
problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é
para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer
que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar: - Ah,
fui lá comprar umas coisas... "- Que' s coisa?" - ela retrucará.

Acreditam? O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade".
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa,
confidenciará: - Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem, uma
senhora docemente me consolou: "preocupa não, bobo!". E meus ouvidos,
já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam.
Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo
assim. A fórmula mineira é sintética e diz tudo.

Até o tchau. em Minas. é personalizado. Ninguém diz tchau pura e
simplesmente. Aqui se diz: "tchau pro cê", "tchau pro cês". É útil
deixar claro o destinatário do tchau. O tchau, meu filho, é prôcê, não
é pra outro, 'tendeu?"



domingo, janeiro 21, 2007

“O correr da Vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”.

Guimarães Rosa, em Grande Sertão

quinta-feira, janeiro 18, 2007

16/01/2007


"Viagem é alongamento de horizonte humano."

Cecília Meireles

12/01/2007

Mar Absoluto

Foi desde sempre o mar,
E multidões passadas me empurravam
como o barco esquecido.

Agora recordo que falavam
da revolta dos ventos,
de linhos, de cordas, de ferros,
de sereias dadas à costa.

E o rosto de meus avós estava caído
pelos mares do Oriente, com seus corais e pérolas,
e pelos mares do Norte, duros de gelo.

Então, é comigo que falam,
sou eu que devo ir.
Porque não há ninguém,
tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.

E tenho de procurar meus tios remotos afogados.
Tenho de levar-lhes redes de rezas,
campos convertidos em velas,
barcas sobrenaturais
com peixes mensageiros
e cantos náuticos.

E fico tonta.
acordada de repente nas praias tumultuosas.
E apressam-me, e não me deixam sequer mirar a rosa-dos-ventos.
"Para adiante! Pelo mar largo!
Livrando o corpo da lição da areia!
Ao mar! - Disciplina humana para a empresa da vida!"
Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas.
A solidez da terra, monótona,
parece-mos fraca ilusão.
Queremos a ilusão grande do mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.

Queremos a sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,
e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia.

O alento heróico do mar tem seu pólo secreto,
que os homens sentem, seduzidos e medrosos.

O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.

Não precisa do destino fixo da terra,
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.

Tem um reino de metamorfose, para experiência:
seu corpo é o seu próprio jogo,
e sua eternidade lúdica
não apenas gratuita: mas perfeita.

Baralha seus altos contrastes:
cavalo, épico, anêmona suave,
entrega-se todos, despreza ritmo
jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado,
cego, nu, dono apenas de si,
da sua terminante grandeza despojada.

Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões:
água de todas as possibilidades,
mas sem fraqueza nenhuma.

E assim como água fala-me.
Atira-me búzios, como lembranças de sua voz,
e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino.

Não me chama para que siga por cima dele,
nem por dentro de si:
mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom.
Não me quer arrastar como meus tios outrora,
nem lentamente conduzida.
como meus avós, de serenos olhos certeiros.

Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu.

E eu, que viera cautelosa,
por procurar gente passada,
suspeito que me enganei,
que há outras ordens, que não foram ouvidas;
que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos,
e o mar a que me mandam não é apenas este mar.

Não é apenas este mar que reboa nas minhas vidraças,
mas outro, que se parece com ele
como se parecem os vultos dos sonhos dormidos.
E entre água e estrela estudo a solidão.

E recordo minha herança de cordas e âncoras,
e encontro tudo sobre-humano.
E este mar visível levanta para mim
uma face espantosa.

E retrai-se, ao dizer-me o que preciso.
E é logo uma pequena concha fervilhante,
nódoa líquida e instável,
célula azul sumindo-se
no reino de um outro mar:
ah! do Mar Absoluto.

Cecília Meireles

11/01/2007

Caminhava sobre as águas com um andar de quem perdeu regresso e asteava o olhar em direção ao horizonte liquefeito.
Vestia aquela areia de purpurina dourada.
Estrela tombada do céu...
O sol descia no horizonte e ela começou a descer ao mar. Como que a percorrer uma escada rumo ao "infinito sem fundura".
Lentamente e com a alma a sussurrar uma melodia antiga.
Sentia o cariciar das águas e se entregou a aquele amante que a afagava suave como se tivesse dedos e nas pontas dos dedos coração.
Mergulhou com sorriso no rosto, sorriso no corpo inteiro.
Se misturou com o mar.


Foi um sonho..
.

10/01/2007

Praia de Santo Antônio.

O vento foi me vestindo com a areia fina.
Fecho os olhos pois os quero nus...

05/01/2007

A manhã acordou cinza e eu acordei mais cinza que a manhã.
Estranho acordar tão cinza aqui!
Ainda mais sem nenhum motivo.
Talvez a lua fantasmagórica de ontem a caminho de casa.
Quem sabe a sensação clara de ter sonhado intensamente durante toda a noite e não conseguir de nada lembrar.
Presságio que não cumpriu seu papel...
Não sei dizer.
Só sei do desejo de me encaramujar.
Desejo forte que me prende mais tempo dentro do quarto, até que o barulho do dia me faz levantar.
Risadas de crianças brincando, algum barulho de bola distante, ruídos que não consigo identificar muito bem mas que parecem coloridos.
O dia não pode estar tão cinza mais!
A água percorre o corpo.
Gosto da sensação logo depois de acordar.
Corpo seco, protetor em toda pele, visto o biquini, uma roupa leve sobre ele e saio.
O mesmo caminho que tenho feito todas as manhãs.
1h, 1h e 30min caminhando na praia.
Vento no rosto...
Tão bom! Principalmente com os cabelos soltos.
O barulho do mar.
A espuma branca.
As ondas que vêm lamber os pés, as pernas.
Hoje, mais que nos outros dias, uma solidão plena.
Uma liberdade que não sei bem como usar em alguns momentos, mas que aqui me extasia, me assume e eu a assumo.
Chove e eu pareço chover junto.
Me misturando com o mar, a areia.
Me misturando com o vento...
Volto pra casa com mais cores que todas as cores das minhas caixas de lápis de cor...

07/01/2007

eu pensei em você...

... resolvi escrever um texto aqui do Vinícius de Moraes que diz entre outras coisas que esse ano eu vou viver...
Descobri que venho fazendo isso e tudo o mais que ele fala e estou bem mais feliz.
Quem sabe tem mais alguem pra ler estas palavras...

"Chega de ficar quebrando a cara
Com os velhos erros de sempre.
Quero cometer erros novos,
Passar por apertos diferentes,
Experimentar situações desconhecidas,
Sair da rotina e do lugar comum.
Esse ano eu preciso crescer.
Chega de saber a saída
E ficar parado na porta,
Ensaiando os passos
Sem nunca entrar na estrada,
Esperando que me venha
O que eu mais preciso encontrar.
Esse ano, se eu tiver que sofrer,
será por sofrimentos reais
nunca mais por males imaginários,
Preocupado com coisas
Que jamais acontecerão.
Chega de planejar o futuro e tropeçar no presente.
Chega de pensar demais e fazer de menos.
Chega de pensar de um jeito e fazer de outro.
Chega do corpo dizer sim e a cabeça não.
Chega desses intermináveis conflitos que
Me fazem adiar para nunca a minha decisão.
Este ano eu vou viver."

03/01/2007

Noite de lua cheia...

"Estou sentindo o martírio de uma inoportuna sensualidade. De madrugada acordo cheia de frutos. Quem virá colher os frutos da minha vida?"


02/01/2007

"Pode-se amassar a alma e dobrá-la.
Pode-se feri-la e marcá-la com cicatrizes.
Pode-se deixar nela os sinais da doença e as queimaduras do medo.
Mas ela não morre, pois está protegida. "


Ela é tanto quem descobre os ossos quanto quem os incuba...


01/01 Reveillon de Piratas

Reveillon de Piratas...
Foi assim o meu.
Com direito a histórias encantadas, mapas em língua estranha, tesouros enterrados na areia e uma lua quase cheia aumentando a magia daquelas horas.
Depois da contagem regressiva, dos fogos estourando, dos abraços acompanhados de um clássico "Feliz Ano Novo", pular sete ondas, derramar algumas lágrimas, deixar o mar lamber os pés e as pernas, segurando o vestido longo e branco no alto das coxas...
Depois.
Sair andando pela praia.
Em uma das mãos a sandália e na outra a mão do sobrinho, que vez ou outra escapole e corre na frente encantado com a captura (durante alguns instantes) dos siris.


"_ Vou jogar pra cima! Em quem cair caiu!"


Gritinhos seguidos de risadas.
Mais uma vez era brincadeira e o bichinho volta pra areia.
Caminhamos até qualquer lugar, entre nada e coisa alguma, e nos assentamos na areia.


(Continua)



31/12/2006

Back to life, back to reality...

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente"

Carlos Drummond de Andrade


E que seja!