segunda-feira, janeiro 22, 2007

_"Sotaque mineirinho!"
_ Claro! Queria que fosse paulista?

O comentário ouvido hoje no celular me fez lembrar de um texto que recebi ano passado.
Ótimo!
Cheguei a encaminhar para o amigo paulista professor de literatura que também gostou muito (passou para os alunos até).
Pena que não sei o autor...


"
Ouvi dizerem que o sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou
engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos
colaterais, como é que o falar das mineiras ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta
avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho,
me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de
perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor. Eu sou
suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase
propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo
sotaque.

Mas, se o sotaque desarma, as expressões são capítulos à parte. Não
vou exagerar, dizendo que a gente não se entende... Mas que é algo
delicioso descobrir, aos poucos, as expressões daqui, ah isso é...

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem,
sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode
parar, dizem: "pó parar". Não dizem: onde eu estou? dizem: "ôncôtô?").
Parece que as palavras, para os mineiros, são como aqueles chatos que
pedem carona. Quando você percebe a roubada, prefere deixá-los no
caminho.

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e
levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando -
apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.
Fala que ele é "bom de serviço". Pouco importa que seja um juiz, um
jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro -
metaforicamente falando, claro – ele é bom de serviço. Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se
encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim,
isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela está boa, é como
perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher
casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com
isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados.
Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você
mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém
consegue nada. Você "não dá conta". Siôcê (se você) acha que não vai
chegar a tempo, você liga e diz:

- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob
pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto,
quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma
forma de dizer, olá, me escutem, por favor. É a última instância antes
de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que,
"apaixonado com". Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a
toda hora: "Ah, eu apaixonei com ele...". Ou: "sou doida com ele"
(ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem
apaixonadas COM alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de
bonitim, fechadim, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: "E aí,
vão?". Traduzo: "E aí, vamos?". Não caia na besteira de esperar um
"vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Na verdade, o mineiro é o baiano lingüístico. A preguiça chegou aqui e
armou rede. O mineiro não pronuncia uma palavra completa nem com uma
arma apontada para a cabeça.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas
prefiro, com todo respeito, o mineirês. Nada pessoal. Aqui certas
regras não entram. São barradas pelas montanhas. Por exemplo: em
Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - Eu
preciso de ir.

Onde os mineiros arrumaram esse "de", aí no meio, é uma boa pergunta.
Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com
escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante.
Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam... Você não
precisa ir, você "precisa de ir". Você não precisa viajar, você
"precisa de viajar". Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao
supermercado, ela reclamará: - Ah, mãe, eu preciso de ir?

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra "um
tanto de coisa". O supermercado não estará lotado, ele terá "um tanto
de gente". Se a fila do caixa não anda, é porque está "agarrando lá na
frente". Entendeu? Deus, tenho que explicar tudo. Não vou ficar
procurando sinônimo, que diabo. E não digo mais nada, leitor, você
está agarrando meu texto. Agarrar é agarrar, ora! Se, saindo do
supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará:
"- Ai, gente, que dó".

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas
mineiras. Eu aviso que vá se apaixonar na China, que lá está sobrando
gente. E não vem caçar confusão pro meu lado.

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão".
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar,
para se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é
muitíssimo bom (acho que dá na mesma), ela, se for jovem, vai gritar:
"Ôu, é sem noção". Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem,
leitora, idéia do tanto de bom que é. Só não esqueça, por favor, o
"Ôu" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo
é sem noção, entendeu?

Ouço a leitora chiar: "- Capaz..." Vocês já ouviram esse "capaz"? É
lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "tá fácil que eu faça
isso", com algumas toneladas de ironia. Gente, ando um péssimo
tradutor. Se você propõe a sua namorada um sexo a três (com as amigas
dela), provavelmente ouvirá um "capaz..." como resposta. Se, em
vingança contra a recusa, você ameaçar casar com a Gisele Bundchen,
ela dirá: "ô dó dôcê". Entendeu agora?

Não? Deixa para lá. É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?
Completo ele fica: "- Ah, neeeeem..."

O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o
pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito
nenhum. Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no
Mineirão?". Resposta: "neeeem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.
Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?". A pergunta,
mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"? Tão simples. O
resto do Brasil complica tudo. "É, ué, cês dão umas volta pra falar os
trem..."

Ei, leitor, pára de babar. Que coisa feia. Olha o teclado todo
molhado. Vai dar curto circuito! Chega, não conto mais nada. Está bem,
está bem, mas se comporte.

Falando em "ei...". As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o
"ei" no lugar do "oi". Você liga, e elas atendem lindamente:
"eiiii!!!", com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade...

Tem tantos outros... O plural, então, é um problema. Um lindo
problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é
para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer
que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar: - Ah,
fui lá comprar umas coisas... "- Que' s coisa?" - ela retrucará.

Acreditam? O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade".
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa,
confidenciará: - Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem, uma
senhora docemente me consolou: "preocupa não, bobo!". E meus ouvidos,
já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam.
Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo
assim. A fórmula mineira é sintética e diz tudo.

Até o tchau. em Minas. é personalizado. Ninguém diz tchau pura e
simplesmente. Aqui se diz: "tchau pro cê", "tchau pro cês". É útil
deixar claro o destinatário do tchau. O tchau, meu filho, é prôcê, não
é pra outro, 'tendeu?"



2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Adorei o texto.
Tchau pro cê.

1:30 AM, janeiro 23, 2007  
Anonymous Anônimo said...

Uai, Gi, este texto é doido demais da conta! Xonei qüêle!
E descobrir o danado do autor, é o Felipe Peixoto Braga Netto.
Bão demais é esse seu blog. Vô lá lê mais!
bjão pro cê!

3:26 PM, fevereiro 06, 2007  

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