sexta-feira, novembro 24, 2006

Daquela janela

Havia me esquecido o quanto é bonito o por do sol visto daquela janela...
Muito anterior a nós.
Muito anterior a seus medos...
Janela de madeira.
Venesianas.
Desenhos de luz na parede.
Olhinhos curiosos espiando pelas gretas de rua.
Vendo sem querer ser vista.
Também se abria em seis partes!
As pernas pra fora.
Pés descalços balançando.
Dedinhos vasculhando cada fresta à procura dos besouros coloridos.
Verdes, rosas, até dourados tinha.
Caixas de fósforos para servir de casa.
Vento.
Cheiro de chuva.
Parece que o dia não quer ir embora...
Vai chorando enquanto a noite chega.
Fecha a janela.
Ela também parece chorar junto.
Várias gotas percorrem os vidros.
De nariz colado a menina insiste.
Quer ver o restinho do dia escorrendo lá longe.

Borboletas na barriga

Borboletas na barriga...
Não sabia o que significava.
Na verdade conhecia bem a sensação, mas não conhecia a expressão.
Perfeita, posso dizer...
Quero de novo borboletas na barriga!
Muito tempo sem senti-las...
Adolescência talvez?
Claro que não!
Sou intensa demais pra isso.
Seria triste demais se há tanto tempo não as sentisse batendo suas asas...
Faz tempo.
Algum tempo.
Nem tanto assim.
Tempo...
O suficiente para tornar possível que elas nascessem e voassem de novo.
Agora posso, permito, desejo.
E antes?
Por que não antes?
Não dá pra ser inteira quando não nos sentimos inteira.
Era preciso esvaziar tudo primeiro.
Se perder até o fim...
Pra que se prender a este antes?
Não vou me desculpar pela impossibilidade anterior.
Esta impossibilidade era necessária.
Essencial, posso dizer.
Não quis deixar arranhões, muito menos machucados maiores.
Achava que não o fazia.
Acreditei realmente nisso.
Parece que me enganei...
Será que me enganei tanto assim?
Consegue receber o que vês agora?
Talvez não.
Está aqui.
Aqui uma mulher de pé, inteira, nua.
Quente e frio, nunca o morno (que como dizia meu pai, só faz vomitar).
Sei lá o que quer fazer com isso...

sexta-feira, novembro 17, 2006

Insônia

Tento de novo.
Nada.
Quem sabe outro travesseiro?
Troco a colcha pelo edredon antigo, tão conhecido.
Será isso?
Um livro chato.
Mesmo a informação mais chata parece alimento...
Ela não para!
Apagar a luz mais uma vez.
Tiro as meias, as coloco de novo...
TV ligada quase sem som.
Mais quanto tempo isso vai durar?
Sei bem a resposta...
Seis horas da manhã o corpo consegue ganhar a briga.
Por pouco tempo, é verdade.
7:30, 8:00...

quinta-feira, novembro 16, 2006


As vezes
A gente se embaraça na frente dos outros
Aquém/além de nós mesmos estamos
Flutuação explícita de impossível fantasia...


quinta-feira, novembro 09, 2006


"Entre mim e mim há vastidões bastantes

Para navegação dos meus desejos afligidos."


Cecília Meireles



Lugar Errado

Falta casa nesta casa!
Parece que falta você...
_ Desculpa, não entendi...
Falta riso, faltam casos, falta alma.
Até sono parece faltar!
Parece que aqui bebe-se tristeza.
Come-se cansaço.
No cardápio só trabalho.
Sempre foi assim?
_ Não sei dizer... Acha que falta? Falta bossa?
Falta.
Parece o lugar errado...

terça-feira, novembro 07, 2006

Nesta tarde, em frente à janela do quarto, num fio de luz, um pardal estava parado na maior displicência da graça.
Olhando não sei pra onde...
Tentando não sei o que...
Talvez estivesse cansado.
Quem sabe só esperasse o sono.
Sono que logo chegaria com a noite que começava a escorrer.
Parecia tão feliz o bichinho!
Não que cantasse sem parar!
Pelo contrário.
Trazia um silêncio...
Trazia uma calma...
Temos mania de achar que felicidade é ruído, movimento, companhia, pulsação.
Parece que precisamos do burburinho.
Precisamos desviar a atenção do "nosso" silêncio...
Aquele silêncio, que deixa ouvir o eco do pensamento profundo.
É importante deixar o mundo de vez em quando!
Vou me assentar num lugar distante, longe do pisar da matéria...
Distante nada!
Não há lugar mais próximo!
Difícil de alcançar às vezes, é verdade.
Trago sempre ele comigo...
Mesmo quando esqueço de visitá-lo, deixo passar muito tempo, ele não deixa de existir.
Resolvi caminhar de novo por lá.
Tirei teias de aranha.
Limpei fuligem de antigas dores.
Varri desentendimentos.
Arranquei alguns matos que não me deixavam andar direito.
Andei...
Andei por lá sem pressa.
Sem hora marcada.
Ficou tão longe o barulho do mundo!
Busquei aquela pedra do silêncio onde antes costumava me assentar.
O pensamento não era mais isolado.
Esbarrava em muitos outros pensamentos...
Chorei.
Chorei um novo despertar.




"Nada lhe pertence mais que seus sonhos
."

Nietzche

sábado, novembro 04, 2006

Amor de Ostra


"Nunca soube como as ostras amam.
Sei que elas têm um jeito suave de estremecer
diante da vida e da morte.
Tens um jeito de acomodar teu corpo ao meu
como na concha.
Eu não sabia como as ostras amam
até que duas pérolas brotaram de teus olhos
no mar da cama."

Affonso Romano de Sant'Anna